E como falar de flores sem trazer à tona a musa dos arranjos ingleses, precursora desta onda de arranjos orgânicos que se tornaram tendência?
Constance Fletcher, ou Constance Spry (como é mais conhecida), foi uma professora inglesa de arte floral que escapou de um casamento violento para se estabelecer com seu filho no leste de Londres, onde instruiu operários adolescentes em culinária e costura e, mais tarde, arranjos de flores. Em 1926, ela se casou com seu segundo marido Henry Ernest Spry, daí o sobrenome pomposo que faz tremer os floristas mais antenados (humildemente me incluo…)
Spry desistiu de lecionar em 1928, para abrir sua primeira loja, “Flower Decoration”, em 1929. Depois de garantir um pedido regular do Granada Cinemas, ela causou sensação na sociedade da moda ao criar um requintado arranjo de flores nas vitrines de Atkinsons, uma perfumaria Old Bond Street no centro de Londres. “Saqueou” sótãos em busca de objetos incomuns para usar como recipientes e se inspirou nos pintores de flores holandeses dos séculos XVII e XVIII (já trazidos aqui no blog em matéria anterior), enquanto popularizava materiais vegetais diferenciados para compensar flores, como salgueiro, ervas daninhas, gramíneas e couve ornamental.
Ela mudou toda sua história através das flores e seu cultivo
Quando abriu uma loja maior na South Audley Street, em Mayfair, em 1934, Spry já empregava setenta pessoas. No mesmo ano, ela publicou seu primeiro livro, Flower Decoration, e estabeleceu a “Constance Spry Flower School” em suas novas instalações.
Em 1936, “Flower Decoration” criou os arranjos de flores para os casamentos reais do Duque de Gloucester e o casamento mais privado do Duque e da Duquesa de Windsor, em junho de 1937.
Constance era uma mulher de atitude, engajada nas causas sociais e patrióticas. Assim, quando a Segunda Guerra Mundial começou em 1939, retomou sua carreira de professora e deu palestras para mulheres em toda a Grã-Bretanha. Em 1942, ela publicou “Come into The Garden, Cook”, baseado na culinária francesa, na esperança de ajudar no esforço de guerra, incentivando os britânicos a cultivar e comer sua própria comida. Sua empresa continuou a fornecer decorações florais em casamentos.
Em 1953, Spry foi contratada para organizar as flores na Abadia de Westminster e ao longo da rota processional do Palácio de Buckingham para a coroação da rainha Elizabeth II.
Sabe a nossa amada “Rosa inglesa”? Pois olha só: em Winkfield Place, Spry dedicou anos ao cultivo de variedades particulares de rosas antigas, que ela foi fundamental para trazer de volta à moda e por isso a primeira introdução de rosas de David Austin, em 1961, recebeu o nome dela e é considerada a base de sua série “Rosa inglesa”.
Em 1956 publicou o best-seller Constance Spry Cookery Book, estendendo assim o estilo Spry de flores para comida.
Em 3 de janeiro de 1960, ela escorregou nas escadas de Winkfield Place e morreu uma hora depois.
Uma trajetória linda no universo floral onde seu nome é aclamado e reverenciado. De estilo inconfundível, serve de inspiração para inúmeros floristas.
Brincar de forma séria com as flores, com a imaginação, falar através da arte floral, aguçar o olhar para trazer recipientes inusitados que abrigarão rosas, antúrios, lírios, em ousada harmonia… Tudo isso ela nos ensinou e ensina pois o bom professor se torna imortal.
Concluo agradecendo à Spry, onde quer que se encontre além dos meus sonhos, pois deu os primeiros passos para que a arte floral fosse menos engessada na topiaria, mais orgânica e livre.
Florescer em conhecimento traz mais sabor a tudo que se vive.
Vamos florescer?